Um dos principais desafios que se coloca à humanidade é a sustentabilidade alimentar. Ou seja, num planeta em crise climática, como conseguir produzir alimentos de qualidade, em quantidade suficiente para alimentar toda a população, a preços acessíveis a todas as pessoas e produzidos na base de sistemas agrícolas respeitadores do ambiente e da biodiversidade.
Nessa perspetiva, a Rede Rural Nacional foi à procura de uma exploração agrícola que pudesse ser exemplo de um modelo de agricultura competitiva no mercado internacional que, ao mesmo tempo, atendesse a critérios ambientais e de preservação da biodiversidade.
Fomos encontrar, no coração da agricultura intensiva, no Ribatejo, a Quinta da Cholda, onde tivemos uma longa conversa com João Coimbra, agrónomo e principal responsável por esta exploração. Entre o escritório onde está instalado o “centro de comando” desta exploração e o campo João Coimbra partilhou connosco a sua experiência, o seu conhecimento e o seu enorme entusiasmo pela inovação. Trata-se de uma exploração agrícola que está ao nível do melhor que se faz na Europa em termos de produção e integração de conhecimento.
João Coimbra, além de apaixonado pela inovação, tem a consciência que a produção de conhecimento só vale a pena se for partilhada. Para isso desenvolve projetos em parceria com diversas universidades, com associações ambientalistas, ao mesmo tempo que abre as portas da exploração para divulgar o conhecimento que ali é produzido e aplicado. Recebe estagiários de vários níveis de ensino e investigadores de diversos países, organiza dias abertos para demonstração a outros agricultores e mantém um blogue, o “Milho Amarelo”, onde vai publicando os resultados das suas experiências.
A digitalização de todo o processo produtivo é encarada como um instrumento fundamental para responder aos desafios das alterações climáticas. É a digitalização que permite a recolha e tratamento de informação necessária a uma agricultura de precisão na qual tudo é medido e avaliado com o máximo de rigor. A par da agricultura de precisão, João Coimbra aposta também numa agricultura de conservação, na qual a mobilização do solo é nula de modo a proporcionar a melhor gestão deste recurso, tão fundamental para a vida no planeta.
“A ideia desta exploração é tentar perceber até que ponto nós conseguimos fazer o melhor dos dois mundos, que é ganhar dinheiro e ser sustentável a nível ambiental. Fui sempre muito ambientalista e ecologista ao mesmo tempo que agricultor, basicamente, porque somos herdeiros dessa necessidade de ter um ambiente bom para as nossas produções, não é uma questão só de ideologias, nós funcionamos melhor com um ambiente bom e, portanto, a nossa atividade vive muito disso”, afirma João Coimbra.
João Coimbra considera que os agricultores estão na “linha da frente contra todos os problemas que estão aí” e que a adaptação às alterações climáticas deve ser encarada como uma oportunidade. Considera, ainda, que o roteiro para a descarbonização foi mal explicado.
Nesse sentido, não tem dúvidas: “Temos as condicionantes da neutralidade carbónica, nós podemos vir a ser interessados nisto porque estamos a ver que a floresta e o aumento do stock de carbono no solo são a única forma de virmos a fixar carbono”. A floresta, uma floresta que não arda, o solo, fazem da agricultura a única atividade económica com capacidade para sumidouro de carbono, o que poderá vir a ser uma oportunidade de negócio no mercado do carbono.
“O aumento do stock do carbono no solo é conseguido basicamente com a agricultura de conservação, que permite a subida gradual dos teores de matéria orgânica. Se o país todo aumentar de 1% de matéria orgânica para 2% já tínhamos aqui uma retribuição que chegava para as nossas emissões durante vários anos”. João Coimbra encara, por isso, o roteiro para a neutralidade do carbono “não como uma ameaça, mas sim como uma oportunidade” e insiste que foi mal explicado.
Nesta exploração a gestão dos riscos é uma preocupação central na gestão de João Coimbra. “Sou muito conservador a nível de riscos. Sou um gestor de riscos. O agricultor hoje tem que ser um gestor de riscos, o volume de riscos que temos na nossa atividade é de tal maneira forte em relação à faturação que, em 30 anos, já assisti à entrada de muitos e à saída de muitos. Tenho a noção exata do que é o risco de não controlar os riscos”.
A noção do risco e o espírito conservador assumido por João Coimbra são determinantes para a sua opção de continuar a cultivar milho, uma cultura que, na sua opinião “deixou de estar na moda, deixou de ser interessante” por ser acusada de excesso de intensificação, com consumos excessivos de energia, de agroquímicos e com grandes emissões de carbono. Para João Coimbra, esta é uma cultura muito adaptada à região e assume o desafio de procurar um modo de produção que lhe permita ser competitivo no mercado internacional (onde o preço é feito na Bolsa de Chicago e em Bordéus, ou na Ucrânia) e ao mesmo tempo atingir níveis de sustentabilidade ambiental e de preservação da biodiversidade que permitam responder às alterações climáticas.
Uma gestão de precisão é fundamental para o êxito da exploração, sobretudo numa perspetiva de conciliação do “melhor dos dois mundos”. “Muito mais do que a agricultura de precisão eu digo que tenho uma gestão de precisão, ou seja, cumprir prazos de pagamento, saber o que se comprou, a que preço, como foi vendido, os registos, os pesos, tudo é registado e tendencialmente será registado automaticamente”. “Eu estou aqui e o meu tempo está a ser medido. A utilização de tempo de máquinas, dos tratores, dos carros, dos quilómetros, tudo é medido. Para gerir a gente tem que medir”.
Nesta exploração, desde 2006 que todos os fatores são medidos, o que proporciona precisão na gestão, mas também uma oportunidade para a realização de estudos, ou seja, este sistema de permanente registo de dados é fundamental para o processo de inovação que já se instalou nesta exploração.
“Boas condições de trabalho, distribuição da riqueza, soluções sociais que sejam virtuosas, bom ambiente de trabalho, tudo isso é fundamental ter em mente” são fatores determinantes neste conceito de “gestão de precisão” praticado por João Coimbra.
Outro aspeto marcante no pensamento de João Coimbra é a noção do valor do património, uma herança de família, construído ao longo de décadas através de trocas e aquisições que foram permitindo o necessário emparcelamento. Considera que a primeira preocupação é a perseveração e a valorização do património e só depois a agricultura, por isso foge dos bancos que foram causa da falência de muitos agricultores.
Está atento ao evoluir da Política Agrícola Comum, dela vem uma boa parte do seu rendimento. “Temos sempre como meta fazer as passagens das “PACs” com suavidade, ou seja, não podemos ser apanhados numa curva quando cerca de 20 ou 30% da faturação é de apoios públicos.” Considera que existindo a possibilidade de recorrer a financiamentos da PAC a eles deve recorrer para todos os investimentos e maximizar os apoios ao rendimento. Contudo, observa João Coimbra, tratando-se de dinheiros públicos, estes devem ser geridos com rigor e transparência.
Quando falamos de sustentabilidade o empresário prioriza a económica, pois, segundo este, uma exploração que não tenha sustentabilidade económica não consegue ter viabilidade. Mas as questões ambientais e sociais estão bem presentes no seu conceito de sustentabilidade. “A sustentabilidade, basicamente, é a manutenção da biodiversidade, a adaptação às alterações climáticas e a adaptação a uma agricultura socialmente mais sustentável, atender à qualidade de vida das pessoas que aqui trabalham, a envolvência das pessoas que vivem nas aldeias aqui perto Portanto, nós temos essa ideia de que isto é muito mais do que uma fábrica de produção de qualquer coisa, isto está a ocupar um território, isto tem paisagem, isto envolve as pessoas que aqui vivem e, dessa maneira, também precisa de ser apoiada. Nós estamos na franja, onde se está a parar o êxodo. Daqui para o interior já não há ninguém, daqui para o mar está toda a gente. E isso não é bom. E, portanto, pensamos que também esta zona aqui é interessante porque mantém ainda um equilíbrio bom. Porque não fazer desta quinta, e do seu modelo agrícola, uma coisa boa para quem vive por aqui, interagir mais com as aldeias, com as pessoas que vivem lá”. A preocupação de João Coimbra com a sustentabilidade ambiental tem já marcas muito fortes nos campos que cultiva. Ali encontramos áreas de cultivo lado a lado com áreas de conservação e áreas de refúgio. “Temos um jardim zoológico à volta das propriedades” afirma com gosto João Coimbra. Ervas e arbustos de diversas espécies e variedades constituem refúgio para muitos animais, charcos ao lado das linhas de água dão abrigo a sapos e outros seres vivos. Em todas as parcelas existem painéis solares que garantem a sustentabilidade energética da exploração. Os tratores são todos telecomandados e já adquiriu um trator elétrico, pois a meta é atingir a neutralidade carbónica no mais curto prazo.
Com a agricultura de precisão que é possibilitada pela digitalização de todo o processo produtivo é possível avaliar com rigor todas as necessidades da cultura, desde a rega à aplicação de adubos e de herbicidas e reduzir, por exemplo, em 80% a aplicação de produtos fitofarmacêuticos, reduzir a compactação do solo, a quantidade de águas para rega e até localizar os ataques dos javalis.
Da parceria com associações ambientalistas resultou conhecimento importante para ambas as partes. Ou seja, os ambientalistas ajudaram a encontrar soluções para a preservação da biodiversidade e a defesa do ambiente e na relação direta com a agricultura. Aprenderam os problemas concretos com que os agricultores se debatem no dia a dia. “Aprendi com eles muita coisa que eu não sabia fazer, esta lógica da partilha de conhecimento é muito importante”, realça João Coimbra.
Na Quinta de Cholda os níveis de produtividade já atingiram as 18 toneladas por hectare, o que lhes permite competir com os países mais avançados do mundo.
João Coimbra confessou à equipa da Rede Rural Nacional as práticas que traduzem as preocupações ambientais e de preservação da biodiversidade não lhes trouxeram diminuição do rendimento da exploração.
A LONGA HISTÓRIA DA QUINTA
A Quinta da Cholda fica situada na Azinhaga do Ribatejo, concelho da Golegã, e conta já com uma longa história, sendo que a sua origem remonta a vários séculos. Um dos momentos marcantes da Quinta foi o terrível Terramoto de 1755, que arrasou as edificações existentes, tendo sido reconstruídas numa data posterior.
Já no séc. XX, no decurso do ano 1923, a Quinta da Cholda foi adquirida a Luís Oliveira Sommer, proprietário da Quinta da Cardiga, por João d’Assunção Coimbra (1866-1956), depois de a sua família ter sido rendeira da propriedade durante vários anos. Na mesma altura, a casa de habitação da quinta foi demolida e substituída por uma outra.
No decurso da sua longa vida, João d’Assunção Coimbra transitou de rendeiro, aos 23 anos, para proprietário de várias quintas e vastas propriedades em Casével, no Pombalinho, em Azinhaga do Ribatejo, na Golegã, no Carregado e no Chouto, ao sul do rio Tejo.
Atualmente, a Quinta da Cholda é gerida por descendentes de João da Assunção Coimbra na terceira geração, e é constituída por cerca de 500 hectares de cereais, dos quais 80% são da empresa, e o restante é arrendado. Dos 500 hectares, cerca de 400 estão localizados na Golegã e cerca de 100 hectares estão a uma distância de 65 km para sul, na zona de Valada, concelho do Cartaxo.