Depois de uma bênção fantástica de chuva este ano, estamos agora perante um problema que poderia ser evitado.
As previsões apontam para uma precipitação de 50 mm a 150mm/m2 para a nossa bacia hidrográfica do Tejo. Se o caudal instantâneo do Tejo fosse 2.200 m3/s (em Almourol) nos últimos 2 dias e durante os próximos 9 dias, não sairia das margens, mais do que o que já saiu este ano, até ao dia 17 Março.
Todo o débito acima de 2.200 m3/s vai fazer esta água saltar alguns diques, inundando grandes áreas agrícolas de vários concelhos do Vale do Tejo, complicando muito a campanha de primavera que já devia ter começado. A produção de milho, de tomate, de batata e outras hortícolas vão sofrer atrasos muito grandes, se se confirmarem as chuvas para os próximos dias e nada for feito.
Hoje o Tejo em Almourol, leva um caudal de 1.600m3/s tendo uma folga de 600 m3/s para gerir a crise que deveria estar a ser aproveitada para evitar prejuízos agrícolas. Será que já não sabemos gerir os excessos de água?
Como agricultor do Vale do Tejo, e preocupado com o atraso no início da campanha de milho aqui na região do Ribatejo, comecei a fazer um exercício de calcular como se evitaria uma cheia no Tejo, fazendo uso de dados disponibilizados pelos serviços da APA, e de toda a informação que podemos consultar online, nos permitem hoje em dia gerir crises no Vale do Tejo.
Assim junto alguns cálculos e alguns dados que compilei e que me ajudaram a escrever esta crónica para memória futura:
Barragem | Capacidade Atual (%) | Capacidade Restante (hm3) |
---|---|---|
Alcântara | 80% | 612 |
Castelo de Bode | 95% | 50 |
Cabril | 95% | 35 |
Total de Reserva para gerir | 697 |
Dia | Golegã | Manteigas | Cáceres (Espanha) | Toledo (Espanha) | Média na Bacia |
---|---|---|---|---|---|
17/03/2025 | 31,0 | 14,0 | 10,6 | 9,7 | 16,3 |
18/03/2025 | 1,2 | 8,5 | 14,2 | 13,0 | 9,2 |
19/03/2025 | 34,0 | 21,0 | 13,8 | ||
20/03/2025 | 23,0 | 42,0 | 11,0 | 2,0 | 19,5 |
21/03/2025 | 7,4 | 25,0 | 2,6 | 2,3 | 9,3 |
22/03/2025 | 12,0 | 22,0 | 3,3 | 2,7 | 10,0 |
23/03/2025 | 5,3 | 18,0 | 6,0 | 8,9 | 9,6 |
24/03/2025 | 3,9 | 9,5 | 4,2 | 0,6 | 4,6 |
Total | 117,8 | 160,0 | 51,9 | 39,2 | 92,2 |
Possibilidade Chuva (mm) | m3/km2 | Água a escoar (hm3/dia) | M3/segundo (limite 2.220) | Saldo (m3/seg) |
---|---|---|---|---|
1 | 1000 | 13 | 25,72 | 2174,28 |
50 | 50000 | 667 | 1286,01 | 913,99 |
85,5 | 85536 | 1140 | 2200 | 0 |
92,2 | 92225 | 1230 | 2372,04 | -172,04 |
100 | 100000 | 1333 | 2572,02 | -372,02 |
120 | 120000 | 1600 | 3086,42 | -886,42 |
Os cálculos completos estão neste ficheiro Excel.
Pergunto, pois, se os números que apresento serão próximos da realidade? Quem faz a gestão tem outros números que nós não temos? Será possível quantificar o custo de uma má ou de uma boa gestão? A comissão conjunta entre Espanha e Portugal, que tão bem tem gerido a seca que nos assolou nos últimos anos em que nunca nos faltou água, está, aqui no Vale, sensibilizada para o problema agrícola causado por água em excesso nestes períodos?
Importa recordar que uma cheia em Dezembro ou Janeiro é muito bem vinda, mas nesta altura do ano, vai impedir-nos pelo menos durante um mês e meio de entrarmos nas terras, situação muito prejudicial, pois vai atrasar não só todos os trabalhos de preparação dos terrenos, como as sementeiras de Primavera, como também trará avultados prejuízos às culturas horto-industriais (ervilha, brócolo, batata já instalados na região).
É assim fundamental que se acautelem estas situações, evitando descargas acima dos 2.200 m3/s.
Como tentei demonstrar, o Tejo tem uma grande capacidade de drenar 2.200 m3/s sem grandes áreas inundadas. Neste contexto e mantendo-se os caudais muito abaixo destes níveis (1.700m3/s) era de todo o interesse aumentar as descargas do Zêzere, de forma a poder encaixar nos próximos dias, as grandes escorrências que se esperam e que terão que ser descarregadas de qualquer forma.
Aquilo que se tem passado até agora, foi exatamente o contrário, com o Cabril e o Castelo de Bode a reduzirem as suas turbinagens, sem terem diminuído a percentagem do seu volume total. Ambas as albufeiras estão nos 95% de capacidade como ontem.
O nosso modelo agrícola está no limite, se não tivermos o apoio na boa gestão destes condicionalismos climáticos por parte da nossa administração, mais rapidamente ficaremos sem produtores.
Obrigado a quem tiver a paciência de ler este desabafo e nos ajudar a tranquilizar como agentes económicos, desta fantástica região agrícola.
João Coimbra
17/03/2025